segunda-feira, 17 de maio de 2010

Blogueiros X Lei: quem está correto?

Depois de completar 10 anos de existência, os blogs, antes marginalizados, viram alvo da Justiça

Por Ana Magal

ana.magal@oestadorj.com.br

Durante muito tempo considerado um espaço utilizado por pessoas que não tinham o que fazer, os blogs viraram febre entre os adolescentes que registravam seu dia-a-dia em seus diários virtuais. Hoje, a ferramenta ganhou força, e é utilizado por profissionais e empresas para dar opinião e disseminar informação de forma rápida. Com a popularização, os blogueiros viraram alvo fácil da justiça e o ano 2009 foi o campeão em notificações extrajudiciais e processos contra seus autores.

Há 10 anos atrás Peter Merholz pegou o termo criado por Jorn Barger, “weblog”, e brincou em seu site pessoal desmembrando o termo e colocando em sua barra “we blog”, ou “nós blogamos” em português. Poucos meses depois Evan Williams do Pyra Labs, resolveu popularizar a palavra dando conotação substantiva e verbal a ela. Nascia então o serviço de registro de informações pessoais mais famoso do mundo, “Blogger”. Em 2003 seu maior rival entrou em campo, “Wordpress”, vindo do antigo gerenciador de conteúdo “b2/cafelog”. Ambos comandam hoje esse nicho dentro da Internet.

Nos últimos anos os blogs têm ganhando espaço, e respeito, entre os leitores. Mas como nunca tudo é feito só de brincadeira, o excesso de liberdade na hora de colocar sua opinião na tela do computador vem gerando muitos problemas, que vão desde os casos de plágio até processos judiciais. E eles são de todo tipo, de comentários de terceiros que ofendam pessoas ou instituições, até cópias inteiras de conteúdo não autorizado. A falta de esclarecimento é um dos maiores fatores nesse caso. Cada dia mais cresce o número de blogueiros que contratam serviços especializados de advocacia para defender a si ou ao seu conteúdo.

Bom senso acima de tudo

Para o advogado Dr. Marcel Leonardi, a maior parte dos blogueiros comentem erros primários por não terem formação jornalística. “Dependendo da natureza do texto, o blogueiro comete erros comuns por falta de conhecimento de técnicas jornalísticas, tais como acusações diretas sem provas, utilização da imagem de alguém sem autorização, divulgação de informações sigilosas, e assim por diante”, explica Leonardi.

Com isso, cada vez mais o número de notificações extrajudiciais estão se acumulando. O jornalista Alessandro Martins reuniu em seu blog, “Quero Ter um Blog!”, mais de 20 blogueiros que foram notificados ou processados no últimos anos. Acesse a lista aqui. Os casos que foram parar nos departamentos jurídicos foram os mais diversos possíveis, desde comentários ofensivos realizados por terceiros, até empresas de hospedagem que processaram ex-clientes.

Dr. Marcel afirma que para se evitar esse tipo de problema a melhor dica é ser muito cuidadoso com os discursos diretos, principalmente quando for em tom acusativo. Se você não tem provas do que está para afirmar, melhor abster-se do comentário. “Na dúvida, é sempre melhor utilizar um discurso mais brando e neutro, dizendo, por exemplo, que ´fulano está sendo acusado de ter feito isso´ e fazer uma referência a alguma fonte”, diz o advogado.

Na blogosfera é tudo uma questão de bom senso. Quando uma pessoa se prontifica a escrever algo que estará disponível para milhões de pessoas através da web a melhor forma de evitar problemas é saber o que falar e quando falar. Mesmo sabendo disso, Dr. Marcel diz que “existem aqueles que não abrem mão de seu discurso ofensivo, tendo consciência que estará sujeito às penalidades previstas em lei por seus abusos”.

A terrível sensação de ser processado

Quem sentiu na pele a sensação de ser processada foi a tradutora e blogueira, Cláudia Belhassof, que foi intimada e condenada a pagar indenização por danos morais para um médico carioca. Ela, que teve um atendimento que classificou como ruim, relatou em detalhes no seu blog sua aventura na clínica e contou com a ajuda dos amigos da blogosfera em uma “vaquinha virtual” para arrecadar dinheiro para o processo. “Nunca passou pela minha cabeça que eu poderia estar fazendo algo errado quando escrevi o post. Se tivesse passado, não teria escrito. Não quis fazer nenhum mal, foi só um desabafo, afinal eu paguei pela consulta. Para esclarecer, não cometi nenhum crime, pois fui absolvida no âmbito criminal. Só fui condenada no âmbito civil”, conta Cláudia.

Dr. Marcel diz que todos temos direito em dar opinião a respeito de produtos e serviços, mas que existem limites a serem respeitados. “Dizer que ´na minha experiência/opinião, não gostei do produto X porque tal coisa aconteceu comigo´ é bem melhor do que dizer ´O produto X é uma porcaria e sempre dá defeito/não presta/etc´”. Segundo o advogado, algumas empresas que são criticadas por blogueiros se utilizam de notificações extrajudiciais e processos mesmo sabendo que não tem razão e que a melhor arma contra isso é a informação sobre os direitos de cada um, inclusive dos blogueiros.

As leis se aplicam a todas as ferramentas

E se muitos acham que essas normas se aplicam somente aos blogs estão enganados. Segundo Dr. Leonardi as normas jurídicas têm aplicação independentemente da ferramenta utilizada. “Se alguém pratica ato ilícito por meio de redes sociais, está sujeito às consequências da mesma forma. Não há uma exceção para a Internet, e nem seria o caso de existir regras separadas”, afirma Marcel.

Na lista de Alessandro Martins também tiveram os registros de blogueiros que foram notificados, e até processados, por terem liberado comentários de terceiros que faziam ofensivas a pessoas físicas ou jurídicas, como foram os casos dos blogs “Gravataí Merengue” e do “Liberdade Digital”. Em ambos os casos, comentários anônimos levaram os autores dos blogs a serem processados por ato ilícito.

Nos casos dos comentários, Dr. Leonardi afirma que a responsabilidade do autor do blog perante os comentários é de total responsabilidade de cada um. E isso independe se eles são moderados previamente ou não. “Quando os comentários são moderados antes da publicação, entende-se que o autor do blog aprovou o texto e, assim, pode eventualmente ser responsabilizado, porque exerceu controle editorial prévio à publicação e optou por permitir a veiculação do texto ilícito”, explica.

Já quando eles são publicados automaticamente a jurisprudência se divide. “Há quem entenda que, como o volume de comentários em um blog costuma ser baixo, o autor do blog deve conferir constantemente esses comentários e remover, imediatamente, tudo aquilo que for indevido. Por outro lado, outros entendem, como eu, que nesses casos o autor do blog deve ser formalmente notificado a respeito da existência de comentários ofensivos para que seja obrigado a tomar alguma atitude”. Dr. Marcel diz que como esse critério é subjetivo, a solução ideal seria remover o comentário somente após uma determinação judicial. “Cabe ao Poder Judiciário, e não o autor do blog, que deve julgar se um comentário é ofensivo ou não”, diz.

Fui notificado, e agora?

Quando um blogueiro recebe uma notificação extrajudicial deve procurar manter o foco e procurar uma assistência jurídica especializada. Dr. Leonardi explica que após a orientação o blogueiro irá decidir se aceitará os termos da notificação ou se apresentará uma resposta explicando os motivos pela qual a mesma não pode ser atendida, ou ainda oferecer uma contraproposta para solução do problema. Se tudo for resolvido amigavelmente é importante que tudo seja por escrito e que seja mencionado quais as providências foram adotadas, deixando claro a finalização questão como um todo.

Caso não seja resolvido e o blogueiro venha ser processado, ao lado do advogado, decidirá qual a melhor defesa a ser aplicada. Se não houverem recursos financeiros para contratar um profissional especializado, existem profissionais e entidades que aceitam trabalhar gratuitamente, mas para isso ele deverá comprovar que sua renda não lhe permite custear o processo sem prejuízos para si e seus familiares.

* Marcel Leonardi é advogado em São Paulo e professor do curso de pós-graduação GVLaw (FGV-SP). É bacharel, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP e pós-doutor pela University of California at Berkeley, EUA.

Fonte: O Estado de São Paulo

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