segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Crônica Balada do Imposto‏ - Jornalista Jotta Paiva

Mas não tente se matar...

Lobão é um idiota, isso não é novidade. Babaca de mau comportamento e replicador de clichês norte-americanos, foi até inteligente ao sumir os movimentos antidemocráticos realizados por uma elite branca e ignorante, em sua maioria.

Não me refiro àqueles que estão de saco cheio de tanta roubalheira e que não veem mais luz no fim do túnel, o trabalhador que protesta porque tem motivo, mas daqueles que além de continuarem viajando para Miami a cada dois meses, ainda pedem uma intervenção militar e exibem cartazes cheios de ódio e erros ortográficos.

É tão esdrúxulo acompanhar essas cenas quanto ver políticos enterrados na lama defendendo esse tipo de mobilização. Claro que a maioria se beneficiou da Ditadura, pena que os protestantes dos domingos ensolarados não sabem disso.

Mas tem uma gente que é ainda pior e mais degradante: o militante direitista da rede social. Este não tem cara, só perfil público todo maquiado e, geralmente, pousa em lindas mesas com muitos amigos idênticos a eles. Aqui, acolá, tem um como eu, de família humilde, simples, batalhador, mas este é o caso clássico de analfabetismo político.

Para essa galera desesperada que todos os dias destrói a democracia civilizatória construída a sangue e fogo, Lobão deixou uma composição muito importante ainda no tempo em que se prestava a fazer alguma coisa boa e coletiva, apesar de sua angústia.

Na música, “Essa noite não”, dele com Bernardo Vilhena, Ivo Meirelles e Daniele Daumerie, há uma referência muito contemporânea desse cidadão desnorteado e imediatista. Aquele que mata uma mídia toda vez que surge um aplicativo novo, que quer uma guerra civil ou o militarismo impedindo que meninos joguem bola na rua.

A música, vocês se lembram, começa assim: “A cidade enlouquece em sonhos tortos/ Na verdade nada é o que parece ser/ As pessoas enlouquecem calmamente/ Viciosamenter, sem prazer”. A primeira estrofe, referenciada por uma melodia deliciosa e marcante, revela a visão da realidade dos jovens oitentistas que é a mesma de hoje.

Aqui o reflexo da gentrificação, tão bem explanada por Jonathan Raban em suas teorias, coloca o sujeito da música no centro deste redemoinho violento, ao mesmo tempo em que prepara perfeitamente o campo para a entrada do refrão implacável e muito necessário aos apocalíticos: “A maior expressão da angústia/ Pode ser a depressão/ Algo que você pressente/ Indefinível/ Mas não tente se matar pelo menos essa noite não”.

José de Paiva Rebouças - Jornalista.

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